
Dentre todas as nossas
desgraçadas distorções historicamente mal contadas, a morte causada, pensada,
violenta,
intencional, é mais uma faceta plausível de nossos empreendimentos
justificadores. Assim, numa prosa entre o idiota generalizado e a malícia
vertiginosa, qualquer usurpação extravagante da vida humana, no Brasil, pode
ter um “belo” argumento a aliviar a alma e redimir nossas atrozes atitudes
pouco civilizadas:
Diz o idiota:
- minha amiga malícia, você viu a
última notícia? Mataram dez no bairro tal!
Retruca a malícia:
- envolvidos com drogas?
- Sim, afirma o idiota!
- também – analisa a malícia –
queria o quê? Bem, feito! Quem se mete com coisa desse tipo, só merece bala e
caixão! E aquela mulher que enfrentou e denunciou o marido violento?
- uma feminazi que não sabia se
comportar, impõe o idiota! E aquele militante de esquerda que foi executado?
- isso é o que acontece com esses
esquerdopatas, com essa coisa de Direitos Humanos que só defendem bandidos.
Mas, teve um policial morto na frente de casa quando voltava do trabalho...
- pois é malícia, um imbecil,
queria ser honesto demais, combater criminosos a todo custo, com o salário que
ganha um policial? De peito aberto? Besta! Olha o que dá querer ser santinho no
Brasil, se apressa a justificar a idiota! Igual àquela Promotora linha dura. Ainda
teve aquele religioso que inventava de ir para as periferias pra ajudar
vagabundo, com essa história de desigualdade social.
A malícia logo concorda:
- o que é que tinha de ir se
meter com essa gente de favela? Como aquele deputado que lutava por reforma
agrária, foi se meter com quem estava quieto e que tem suas propriedades há
séculos, dá nisso!
E assim podemos exagerar em quase
todos os graus de conversa que tal “cidadão de bem” deitará uma justificativa
atroz para nosso próprio desprezo comunitário. Somos violentos, arrogantes e
mal educados. Mas, deitamos falação sobre a indelicadeza do viver do outro,
apontando seus erros e desavenças com a “moral” e com os “bons costumes”. E
assim, todo brasileiro é bom e honesto – mesmo sendo portador de cada jeitinho!
E até que se prove o contrário, o terceiro comentado tem sempre um bom motivo
para se lascar. Um “elegante” e “promissor” processo civilizacional por estas
bandas. Quase modelo europeu.
Imagem: Wikipédia