quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Poesia de Violeiros Nordestinos.

Cantoria de viola, manifestação muito forte no Nordeste brasileiro é uma das mais belas e impressionantes expressões culturais dessa região. Os repentes feitos de improviso são pérolas sonoras e verbalizadas que só quem já presenciou sabe como é. Abaixo, uma genial composição de Ivanildo Vila Nova e Geraldo Amancio (a primeira estrofe é iniciada por Geraldo, alternando-se as estrofes seguintes entre este e Ivanildo).
Geraldo Amancio
Vila Nova














Lampião, rei do cangaço!

Foi manso como um cordeiro
Teve o pai assassinado
Se sentido injustiçado
Se torna, então, justiceiro
O reilho de comboieiro
Troca pelo mosquetão
Esquece burro e surrão
Frete, tropa, corda e laço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Conduzia o cangaceiro
Além de rifle e punhal
Carne seca no bornal
Farinha e sal pra tempero
Fumo e remédio caseiro
E patuá de proteção
Dez quilos de munição
Forravam seu espinhaço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Antes de ser cangaceiro
Vivia da paz da choça
Foi trabalhador da roça
Tangeu burro, foi tropeiro,
Foi poeta e sanfoneiro
Tocou fole e violão
Fez martelo e fez quadrão
Do mesmo jeito que eu faço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Não podia existir paz
No país dos cangaceiros
‘Homena’ contra ‘Calheiros’
Os ‘Ferraz’contra os ‘Novaes’
Os ‘Cabral’ contra os ‘Moraes’
Morte, vingança e questão
Montes, Feitosa e Mourão,
De todos herdou o traço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Andava bem equipado
Por vereda e por floresta
Chapéu quebrado na testa
Botas de couro de gado
Bornal de balas de lado
Rifle e cruzeta na mão
Três palmos de dimensão
Tinha seu punhal de aço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Quando um patrão desonrava
E à moça pobre ofendia
Quando lampião sabia
As providências tomava
Sendo solteiro casava
Casado ia pra o caixão,
Serviu de exemplo e lição
Pra fazendeiro devasso
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Foi herói, bandido e louco,
Foi um mestre sem estudo
Um gênio acima de tudo
Que teve o mal como troco
Se envultava em pé de touco
Na força da oração
Enfrentava um batalhão
Sem levar nenhum balaço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Um primitivo ‘sandino’
Um estrategista bruto
Um Fidel Castro matuto
Um Roximbi nordestino
Adulto virou menino
Quando teve uma paixão
Aí o seu coração
Muda o ritmo e o compasso
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Desconfiado e valente
Lampião temia mais
Uma só sombra por trás
Do que cem homens na frente
Obedecia somente
Ao Padre Cícero Romão
O resto era no facão
Na lazarina e no braço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

No bando de Virgulino
Nomes que a gente destaca
Zé Sereno, Jararaca
Ezequiel e Livino
Volta Seca e Ponto Fino
Pilão Deitado e Balão
O sangue ensopando o chão
E balas cruzando o espaço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Tendo Angicos como coito
A sua tropa reúne
Se sente da morte imune
E ali fica mais afoito
Em julho de trinta e oito
Tombou sem vida no chão
Na corda da traição
Findou caindo no laço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Maria, amante e consorte,
Nordestina destemida
Foi companheira na vida
Na desventura e na morte
Sente um choque muito forte
Ao vê-lo morto no chão
Cai sobre o seu coração
Dando o derradeiro abraço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

***

Nesta, os repentistas fazem uma ode genial aos cordelistas e aos cordéis conhecidos no nordeste brasileiro. A composição é uma sextilha que quebra sempre nos versos ímpares, tornando a composição nove por seis (Aqui quem inicia com a primeira estrofe é Vila Nova, alternando-se com G. Amancio).



NOVE PALAVRAS POR SEIS: CORDELISTAS E CORDÉIS 
IVANILDO VILA-NOVA E GERALDO AMANCIO



Lu de Jorge, Carolina,

[ou Josina]

E o herói João de Calais

Um Agenor e Helena
[Madalena]
Oliveira e Ferra Braz
José de Souza Leão
[o Lampião]
E As Queixas de Satanás.

José Camelo, um dos nomes,
[Leandro Gomes]
Manoel Camilo e Palmeira
Manoel de Almeida e Zé Lima
[boa rima]
É a de Cícero Vieira
João Martins, Chico Firmino,
[Minelvino]
E Severino de Oliveira.

A Deusa do Maranhão
[a discussão]
De Rio Preto e Vicente
Cecília e Natanael
[Daniel]
Debate de Padre Crente
Pecado de Adão e Eva
[Genoveva]
E O Sertanejo Valente.

Um Lucas Evangelista
[Paulo Batista]
Zé Pacheco, Zé Visgueiro!
Manoel Apolinário
[Olegário]
Fernando, bom folheteiro.
Chico Sales, Téo Macedo,
[Téo Azevedo]
E Pedro Mendes Ribeiro.

Invasão da Carestia
[Zé Garcia]
E As Belezas de Campina...
Virgem dos Lábios de Mel
[tem Mabel]
E A Vingança de Marina
O Amor no ABC
[São Saruê]
E Genário com Jovelina.

Tem Vicente Vitorino
[Carolino]
Manoel Caboclo e Palmeira
Além de João Severo
[lembra Homero]
João Melquíades diz Ferreira
O Teodoro Ferraz
[ainda mais]
João Freire e Paulo Teixeira.

Carrancas do Piauí
[e Bem-te-vi]
Vida de Zé Colatino
O Macaco da Montanha
[João Saldanha]
E As Bravuras de Silvino
O Cego e o Aleijado
[Jorge Amado]
E meu Jesus é Nordestino.

Nas Portas do Cabaré
[Josué]
José Gustavo e Roxinha
Grinaura, Sebastião
[Frei Damião]
Mais Pedrinho e Julinha,
Previsões do Fim do Mundo
[vira mundo]
Com Zezinho e Mariquinha.

Dedé, Patrícia e Antônio,
[Apolônio...]
...Alves que tem boa pena!
Um Expedito Francisco
[já tem disco]
Costa Leite e Santa Helena
Caetano, Cosme e Diniz,
[Manoel Luiz]
E Joaquim Batista de Sena.

Sofrimento de Jesus
[João da Cruz]
O Sabido Sem Estudo
O Pavão Misterioso
[João Mimoso]
Zé Lapada e Topa Tudo
Temos João Grilo e Cancão
[Corrupião]
Os Monstros do Morro Agudo.

Chagas e Abraão Batista
[romancista]
É Altino Alagoano
Antônio Américo Medeiros
[dos primeiros]
Tem Dila e Valeriano
Cuíca, Enéias Tavares,
[J. Soares]
E Antônio Paraibano.

Jurandir e Nobelino,
[Zé Faustino]
S. Borges, cordel fez!
Um Antônio Canhotinho
[Zé Sobrinho]
Severino Milanês
‘Telarme’ e Rodolfo Coelho
[um espelho]
Em nove palavras por seis.




Deus, o homem e a natureza – Vila Nova e Geraldo Amâncio (Bela Sextilha)!

Quando canto vejo a meiga
Claridade do luar
Vendo a flor colhendo o beijo
Dos lábios frios do ar
E a praia enfeitando os fios
Do lençol verde do mar

Sinto a aurora brotar
Num formato de miragem
Em cada curva da estrada
Há um leque de paisagem
Abanando as tranças verdes
Dos cabelos da folhagem

Dançando eu crio a imagem
Do filme que Deus coloca
Onde o sol por generoso
Cria, aquece, guia e foca
É quem dá tudo de si
E nada recebe em troca

Quando maio se coloca
É mais bonito o sertão
A floresta se ornamenta
De rosa, flor e botão,
E as flores brancas à noite
Parecem estrelas no chão

O sopro da viração
Deixa a impressão de perfume
Os últimos raios da tarde
Pincelam cristas do cume
Entregam o crepúsculo negro
Aos faróis dos vagalumes

Há espirais de perfume
Nas ‘mãos caldas’ do mormaço
As nuvens do firmamento
Se desmanchando em pedaço
Parece um leque de bruma
Na concha azul do espaço

Terra que assiste o cansaço
Do passo do retirante
Quando as rajadas cruéis
De uma seca horripilante
Tange a poeira dos rastros
Do camponês emigrante

Pingo de orvalho brilhante
Na floresta da ‘masquina’
O pirilampo, um arcanjo,
Da lanterna pequenina
A água, cristal eterno,
Na galeria divina

Seguir de Deus a doutrina
É dever da criatura
Semeia grãos de virtude
E aguarda a safra segura
Plantando a semente boa
E colhe a espiga madura

Respeita as leis da altura
Na dor do esquecimento
Viajo o barco dos anos
Com o seu carregamento
Pérolas que são extraídas
Nas minas do sentimento

E a voz do pensamento
Transforma o sonho em cadência
Cantando o lírio dos campos
Os frutos da pudecência
Na substância abstrata
Dos sonhos da inocência

Onde não foi a ciência
Onde ficou a bonança
A viola é o piano
Que toco desde criança
Sonorizando saudades
Nos teclados da lembrança

Nos planos que a rima alcança
Tendo a vida por irmã
De noite ilusão perdida
De dia esperança vã
Castelos de pedra hoje
Sonhos de areia amanhã

Na neve da cor de lã
De minha ilusão de infante
Há um castelo de estrelas
Nas barras do meu levante
Que não brilharam até hoje
Brilharão daqui por diante

Vou voando a todo instante
Para alcançar outro império
As formas de um mundo novo
As luzes de outro hemisfério
Rompendo a malha invisível
Desse profundo mistério
Por ter notas de saltério
O improviso é um santo
Na vida corta as fronteiras
Em sonho cresce outro tanto
Se transporta sem andar
E voa sem sair do canto

Como um rugido de espanto
Do tiro da belonave
O fogo afastando a nuvem
O eco espantando a ave
Rompendo o sossego aéreo
Do infinito suave

Deus a ninguém deu a chave
Desse edifício perfeito
Mar gigante, terra enorme,
Céu infindo, bosque estreito,
Fez tudo e não veio ainda
Dizer porque tinha feito

Do rio, estuário e leito,
Da fruta, o tempo e a vez,
Ano longo, dia curto,
Semana, estação e mês;
Ele fez tudo, mas pode...
Desfazer tudo que fez

Manda um tudo, rei dos reis,
No raio que do céu desce
Tempestade que desaba
Terremoto que estremece
Em tudo está sua mão
E o homem não reconhece.
 


***
Ouçam cantoria de viola do repentistas nordestinos. Vão a cantorias. Prestigiem esse patrimônio da cultura imaterial do Brasil. Vale a pena ouvir repentistas do naipe de Ivanildo Vila Nova, Geraldo Amancio, Raimundo Caetano, Severino Feitosa, Antônio Lisboa, Edmilson Ferreira, dentre tantos outros.

2 comentários:

  1. PARABÉNS PELO BELÍSSIMO TRABALHO! GOSTARIA DE OUVIR A MÚSICA DO SOBRE O LAMPIÃO. SERIA POSSÍVEL? DESDE JÁ AGRADEÇO E UM FORTE ABRAÇO!

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    1. Demorei a responder, mas aí vai o link:
      https://www.youtube.com/watch?v=gKnWFUo2vJM

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