quinta-feira, 3 de maio de 2012

Lei de Responsabilidade Fiscal: o cais das desculpas e negativas das gestões públicas

Estava eu assistindo a um telejornal local ontem (02/05/2012) que falava sobre a greve dos educadores e educadoras do município do Natal. Na matéria, a repórter afirmava que não existira conciliação entre prefeitura e sindicato, visto que o secretário de educação afirmara categoricamente que não havia como dar aumento salarial à classe docente em virtude da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O mesmo argumento é usado pelo governo estadual para profissionais da saúde e agentes carcerários, só como exemplo. Essas justificativas pipocam hoje em dia nas bocas gestoras do poder público como argumento (ou desculpa) para não proporcionar melhores condições de trabalho e renda para muitas classes de servidores públicos. Claro, obviamente, que quando o aumento é para cargos de livre nomeação e políticos não se ressoam esses mesmos argumentos. Por exemplo, os detentores de mandatos legislativos aumentam seus subsídios quando bem entendem. Os magistrados, com sua grande influência e poder, também conseguem vultosos agrados em seus contracheques (merecidos, por sinal – todo honesto magistrado deve ganhar muito bem por ter uma função social de grande importância e responsabilidade – Mas só os honestos, tá?) e não se houve falar em limite de LRF. Alguém sabe quanto ganha um servidor do legislativo ou do Judiciário? Compare com os servidores do executivo. Compare com os salários dos professores estaduais e municipais! Bem, não vamos comparar nobres com plebeus, então.



Depois que a Lei Complementar 101 de 2000 foi aprovada tudo se justifica nela. A Lei em si é complexa, mal redigida, deixa margem pra um monte de interpretação e causa certa confusão, principalmente em leigos em ‘Direito’, como eu. Mas, no geral, a Lei foi pensada para por freios a péssimos gestores que desequilibravam todas as contas públicas e deixavam rombos financeiros em prefeitura e estados (principalmente) para os seus sucessores. Vamos imaginar aqui que, depois de promulgada a referida Lei, ingerências nas contas públicas não mais acontecem no Brasil – vamos fazer um enorme esforço para acreditar. “A lei inova a contabilidade pública e a execução do Orçamento público à medida que introduz diversos limites de gastos (procedimento conhecido como Gestão Administrativa), seja para as despesas do exercício (contingenciamento, limitação de empenhos), seja para o grau de endividamento”.
A LRF quase ensina como o (a) gestor (a) público pode ser um bom gestor ou gestora. Mas, para ser bem cumprida, tal dispositivo legal exige posturas das gestões municipais, estaduais e do governo federal, tais como: planejamento – aqui, supõe-se que seja aquilo que a gestão faz para que os impostos possam ser revertidos para o bem da população, como educação pública qualificada, segurança pública assegurada, lazer, estruturas adequadas das cidades (vide as vias públicas de Natal) e do campo, transporte público e saúde gratuita de modo descente e que atenda às demandas sociais -, equilíbrio nas contas públicas (óbvio), transparência (Relatórios, Prestações de contas). Ah, transparência! Palavrinha de difícil significado para os nossos políticos!
Em relação à transparência dos gastos públicos, a gestão atual da prefeitura do Natal é mestra em transparecer nebulosidades. A gestão verde sempre alega queda na arrecadação, mas não presta contas de quando arrecada tanto é que a justiça anda obrigando a digníssima gestora a prestar contas. “O juiz Geraldo Antônio da Mota, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou que a Prefeitura de Natal faça a imediata prestação de contas referentes a todo ano de 2011, devendo repassá-las ao Conselho Municipal de Saúde, no prazo máximo de 15 dias, contados da ciência da decisão judicial, sob pena de multa no valor de R$ 20 mil, que deverá recair sobre a secretária municipal de Saúde, Maria do Perpétuo Socorro”. (Tribuna do Norte, 25/04/2012). Por que não obedecem à LRF e fazem o dever de casa nesse ponto também? Já li reportagem, tempos atrás, que em matéria de transparência na prestação de contas e publicização das mesmas para o cidadão natalense, a gestão pública deste município deixa muito a desejar. E o problema dos aluguéis e contratos feitos pelo município, gerando até ocupação do legislativo municipal, acaso mostrar tudo em seus mínimos detalhes para toda a população, não seria também cumprir a LRF? Qual o problema de um gestor honesto mostrar para a população detalhadamente como realiza os contratos da administração pública? O dinheiro é de todos, não é? Ou não? Mas, sei que vem de todos.
A prefeitura é bem generosa com certas instituições. Dispensa valores bem generosos. Para quem vive alegando que a arrecadação caiu, é estranha essa generosidade toda. “O perdão de dívidas fiscais dado pela Prefeitura de Natal a instituições de ensino superior através da Lei 6.131/10 é inconstitucional. O pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte julgou ontem a ação direta de inconstitucionalidade do Ministério Público Estadual contra o quinto parágrafo do artigo quinto da lei, destituindo a anulação de 12 autos de infração que totalizam mais de R$ 72 milhões. Com o julgamento dos desembargadores, a Prefeitura de Natal está obrigada a cobrar dos devedores as multas aplicadas. O Município ainda não sabe se irá recorrer da decisão”. (Tribuna do Norte, 03/05/2012). Recorrer? Pense no seu orçamento familiar: se sua família está passando por uma crise financeira, você perdoa a dívida que o seu vizinho rico tem com você? A prefeitura perdoa, então, não deveria chorar lágrimas de crocodilo alegando falta de dinheiro e jogar nas costas da coitada da LRF o fato de ser negligente com a educação e seus trabalhadores e trabalhadoras, alunos e alunas e pais, bem como a saúde: Leiam sobre o Valera Santiago, pra não falar mais dos postos de saúde que viraram posto de escárnio e abandono.
O não repasse do que é devido à educação como foi mostrado em jornais e que até MP provocou o judiciário por descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta, tão noticiado pouco tempo atrás, seria uma forma de a prefeitura descumprir a Lei Complementar 101, provocando desequilíbrios financeiros à Secretaria Municipal de Educação? A merenda que sempre chega atrasada nas escolas (quando chegam, no caso do estado, chega vencida, conforme algumas denúncias nos últimos dias, vide também matéria do Fantástico da Rede Globo em maio de 2011), a farda que não é dada aos alunos há tempos e mesmo assim alardeada, a falta de estrutura, como bebedouros e ventiladores nas escolas, o não repasse do PDE não são mostrados ao público. Admira-me saber que essa gestão tão preocupada com a LRF, não alardeia seus “descuidos” também. Transparência! Vamos utilizá-la bem.
A questão de não se querer dar um mísero aumento à classe docente do município do Natal, tal qual faz o governo estadual com muitas outras classes de trabalhadores e trabalhadoras, ao meu tosco raciocínio, é resultado muito mais de uma prática malévola e, de certo modo, oligarca, dentro de um conceito de que as classes populares devam ficar sob o julgo de gestores e gestoras da administração pública, oriundos (as) das classes dominantes para que o poder se mantenha intacto nas mãos dos mesmos sempre. Nossa jovem democracia ainda terá que aguentar ainda por muitos anos essas figuras dominantes, nascidas, amamentadas, crescidas e criadas graças à miséria e ao caos estrategicamente provocado e aumentado por aqueles que deveriam representar os interesses gerais do povo, mas que passam longe desse propósito na concretude de suas ações gerais. “Da lama ao caos, do caos à lama, um homem roubado nunca se engana” (Nação Zumbi).

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